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Sua primeira memória é de quando
tinha seis anos de idade.
É a memória do apartamento de sua
avó, que ficava a duas quadras do apartamento de seus pais. Era um apartamento
alugado que cheirava a folhas de plantas, visto que ficava no segundo andar, e
de frente para a copa das árvores do jardim. As paredes eram cobertas de
quadros abstratos que ele não entendia. Cores, rabiscos e formas geométricas
das mais diversas, pintadas à tinta de formas confusas e incompreensíveis sobre
telas. Fora os quadros, era um apartamento sóbrio e comum, no qual ele passava
quase todas as tardes da semana ao voltar da escola, até que sua mãe viesse
buscá-lo às quatro da tarde.
Entre o farto almoço e a hora de
ir embora, fazia sua lição de casa debruçado sobre uma antiga escrivaninha
cheia de ornamentos em madeira que ficava no canto da sala, enquanto sua avó
assistia à televisão em alto volume a poucos metros de distância. Ele se lembra
de como era difícil se concentrar na lição com aquele barulho de programas de
auditório, e de como o sol claro entrava pela janela atravessando as copas das
árvores no meio da tarde, contrastando com a madeira escura da escrivaninha.
Sua segunda memória mais antiga é
de seus pais.
Ele se recorda de cada vestido
que sua mãe, que trabalhava como secretária, usava. Todo dia, quando ele
entrava na cozinha pra tomar o café da manhã antes da escola, ela estava usando
um vestido de cor diferente, de acordo com o dia da semana. Na segunda-feira
era laranja, na terça-feira era verde, e assim por diante. Sábados eram
amarelos. Na frente do bolso do vestido, ia preso um crachá com uma foto 3x4 de
seu rosto e seu nome escrito logo abaixo. Às vezes ela se esquecia de tirá-lo
ao chegar em casa, e, passada a pressa de preparar o jantar, acabava adormecida
no sofá tarde da noite com o crachá ainda preso ao peito.
Seu pai era supervisor de obras,
e usava um uniforme igual todos os dias. Era ele quem o levava à escola de
manhã, em uma Parati azul-clara com o rádio ligado no canal de notícias. Recorda-se
especialmente da velocidade com a qual o locutor da rádio falava, e como usava
palavras complicadas, as quais ele ainda não entendia. Às vezes, seu pai ficava
furioso com uma notícia e falava algo, sem tirar as mãos do volante ou os olhos
da rua, e em resposta ao pai, ele concordava veementemente com a cabeça. Achava
interessante a forma como seu pai lhe tratava, de igual para igual, pois todas
as outras pessoas que havia conhecido em sua ainda curta vida o tratavam como
criança. Não era raro também que seu pai risse de algo que o locutor de rádio
havia dito, e ele o acompanhava naquele riso mesmo sem saber do que se tratava,
de tão contagiosa que era a risada.
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