Os dedos congelam ao guidão. As orelhas azulam no frio da manhã. O vento me abraça por debaixo dos braços, atravessando a blusa de lã.
Seria desagradável, se não fosse
perfeito.
Olho pros carros andando metros, distantes centímetros. Enquanto quilômetros de janelas pretas separam motoristas
sentindo milímetros.
E de lá de dentro, o asfalto que
me cedem é buraco, pedra e poça.
Pra mim é pouco.
Faço espaço. Como quem se
espreguiça numa cama sob o lençol preso por todos os lados. Como pés em sapatos
apertados.
São Paulo não tem trânsito. São
Paulo é trânsito. Mas chega de tratar aqui o trânsito como objeto direto, trânsito
é verbo. Transitamos todos. Sábios e tolos.
Nesta manhã em particular,
transito no frio e faz sol. E me serve bem esse sol frio. Uma promessa de
temperaturas melhores. Às vezes, bastam as promessas. Já me aquecem por dentro,
essas.
O orvalho da madrugada desperta o
perfume dos eucaliptos. E outras árvores pelo caminho brilham suadas nas calçadas. Às vezes me estendendo uma mão com poucas folhas, e me
dando um tapa molhado no braço. Sereno, eu passo.
Chego ao meu destino-endereço. Desço
ao estacionamento e da bicicleta. Subo pro trabalho. Quinze andares.
E a vida fica me esperando lá
embaixo, presa numa grade.
São oito da manhã, e já é tarde.