Alberto, segurando um tubo de desodorante e um pacote de pão, esperava na fila comum do supermercado. Uma senhora ao seu lado tentava convencê-lo, em vão, a usar o caixa-rápido. Mas ele tinha todo o tempo do mundo entre o meio-dia e a uma hora da tarde. Quase todo dia era a mesma coisa.  Após deglutir o almoço, punha-se a caminhar até o mercado. Pegava uma ou duas coisas da sua lista de compras, e ia para a fila do caixa de número seis. Sempre a fila do caixa de número seis.

Sentada ao lado de um monitor de computador antigo, enfiada num avental surrado e demasiado grande, estava ela. Nunca faltava. Sentada de forma desajeitada na cadeira, ela passava os produtos pelo leitor de código de barras num ritmo único. Cada produto era manuseado de forma que chegava ao leitor na mesma fração de segundos, de forma inconscientemente calculada. E mesmo quando algum produto mais rebelde a atrapalhava, ela digitava o código de barras no teclado com a mesma precisão rítmica.

Alberto já conhecia tudo isso de cor e salteado, pois já estivera naquela fila centenas de vezes. Por vez ou outra, fechava os olhos e deixava aqueles sons o hipnotizarem. E junto à hipnose, entrava em devaneios. Devaneios nos quais ele e ela estavam a sós no supermercado completamente vazio. Não havia outras pessoas, não havia prateleiras, não havia outros caixas, nem nada além dele em pé na fila vazia, observando-a, e ela passando os produtos no leitor de código de barras, naquela valsa rotineira e automática.

A fila avançava, e Alberto chegava cada vez mais próximo ao caixa. Mais próximo dela. Já podia ler seu crachá preso ao avental, no qual letras grosseiras soletravam seu delicado nome: Ana. Podia também ver os detalhes de suas mãos pequenas manuseando os produtos, e seus cabelos longos presos em um rabo-de-cavalo que pousava sobre os ombros. Acima de tudo, Alberto podia sentir seu próprio coração batendo no ritmo do leitor de código de barras. E podia ouvir a voz dela. Nota fiscal paulista? Pode inserir o cartão. O cliente ia embora sem lhe dar muita atenção, e mais produtos passavam pelo leitor. E o coração de Alberto acompanhava: tum-tum-tum-BIP-tum-tum-tum-BIP-tum-tum-tum-BIP.

Ela não olhava pra cima e nem para os lados. Na realidade, aparentava estar hipnotizada assim como Alberto naquela rotina, e as pessoas que ela atendia eram como os produtos que passava no leitor. Do outro lado da esteira, em pé, os clientes ignoravam completamente o espetáculo de beleza e precisão que era Ana, e fitavam o monitor em busca de um erro do supermercado. Na etiqueta estava escrito R$ 4,96, moça. Ana então apertava um botão, e a pausa gerada em nada amenizava o coração de Alberto. Somente prejudicava o seu samba, que, no silêncio da cuíca, prosseguia firme no surdo: tum-tum-tum-tum-tum-tum.

Um homem de patins aproxima-se do caixa, e sai deslizando em disparada com uma lata de extrato de tomate em mãos. No caixa, o motivo de Alberto ter vindo ao supermercado olhava para o chão, olhava para as unhas, olhava para os produtos que eram entulhados por uma adiposa senhora na ponta da esteira. E ele olhava para ela. Olhava o homem de patins - outro bailarino da rotina, diga-se de passagem – voltar e resolver em segundos o impasse do extrato de tomate. Alberto queria ser ele, debruçado sobre os ombros dela, digitando algo no teclado em que ela - vez por outra - solava.

A fila do caixa já se estendia pelos corredores e fazia curva, e vez por outra Alberto sentia-se observado com estranheza. A cinco metros dele, a fila do caixa-rápido avançava a passos largos. A senhora na fila ao lado – que havia tentado convencê-lo há pouco - comentava algo com um senhor sobre o tempo de espera, e Alberto desconfiava que fazia parte de suas reclamações. Mas ele ignorava. Permaneceria ali o tempo que fosse necessário para poder ficar de frente à atendente do caixa de número seis. Ela não sabia, mas ela era como um fogo que o aquecia por dentro. A cada passo que Alberto dava em direção ao caixa, mais ele sentia-se como um balão prestes a levantar voo.

Alberto estava de frente para ela. E ela estava de frente para um tubo de desodorante e um pacote de pão. Nota fiscal paulista?-tum-tum-tum-Não, obrigado.-tum-tum-tum-BIP-tum-tum-tum-BIP-tum-tum-tum-Débito ou crédito?-tum-tum-tum-Débito.-tum-tum-tum-Pode digitar a senha.-tum-tum-tum. Enquanto Alberto ensacava suas compras, repentinamente corou com a ideia de que fosse possível que escutassem seu coração do lado de fora de seu corpo. Ana lhe estendeu a pequena mão segurando a nota fiscal, porém Alberto não percebeu, e quando ele levantou os olhos, viu que ela olhava diretamente para eles. Tinha uma expressão séria e calma. E olhos brilhantes. Ele agradeceu com a boca completamente seca, e partiu.

Andando a passos rápidos pela calçada, com o coração acalentado voltando ao ritmo normal, Alberto tentava não chegar muito atrasado ao trabalho. Mas já se passavam vinte minutos da uma hora da tarde, e ele foi repreendido pelo seu chefe, que o aguardava para um compromisso. Alberto escutou as queixas pacientemente e justificou-se, sem mentir, dizendo que tinha ido ao supermercado e não havia caixa-rápido nenhum. Deixou, porém, de completar a frase: não havia caixa-rápido nenhum que pudesse acompanhar tão bem as batidas de seu coração.