deitou desejando
desesperadamente descanso
daquela dor demente. desabafou:
deixem-me,                       desejo dormir
deixem-me,                           desejo delirar
deixem-me,                            descansar desta
deitem-se,                             desistam disso
deixem-me,                        doente desistir
destilem duas dessas doses dentro
dessa demente doença, tão densa
e definharei dopada



estou em estado de estopim. espero essa
explosão, e encerro enfim essa enfadada
e escrotal
existência
espero, então, entes espantados
encontrarem-se, enterrarem-me
e encerro,
eloquente,
essa espera exaustiva, esse encurralado
encontro, que evitam, evasivos, encarar



                                    assisti
                                assombrado
                           àquela afirmação.
                       antes                   assim,
                   aberta,                       afinal.
               afrontava aquilo. aquela abrupta,
           assustadora apatia, articulada assepsia,
       andava                                            apertada
   ao amor.                                                aceitava.
aquilo ali,                                                  acabaria ali



doze dias depois disso,
descansava demoradamente da
dor. deitada na dada decomposição,
o destino dela.                     deuses deram
o desejo dela:                          doce descanso.
deliciosa data,                          definitivos dias,
deste denso                              e desenfreado
destino. ela                            demorou-se
diante dos deuses, desencarnou dessa
demência, e deitou definitivamente
dentro de deliciosa dádiva






Foram dias desumanos
De enganos, de demoras
Esmolas pelas janelas
Cancelas nos separando
Velhos em pé observando
Gritando à toa, procurando
Conservar todo o absurdo

Dias de torpor e céu ausente
Quando nada é certo e só
Aquilo mesmo é alguma coisa
E fica tudo tão escuro, tão duro
Que por hoje não mais sinto

São nesses dias desumanos
De encontros frios, muito sono,
Computadores piscando,
Janelas trancadas, corações longe
Que ficamos a ponto de perder
Sem querer, nós mesmos




Raramente uso vírgulas
Quase nunca pontos finais
As pessoas pausam, e acabam.
Os poemas jamais




Foi num desses dias, em que abri o armário - usualmente fechado – procurando alguma coisa, e acabei me perdendo.

Tenho minha própria Nárnia.

Nesse dia em particular, queria uma revista, que sabia que havia guardado lá. Mas acabei batendo o olho num pequeno álbum de fotos, daqueles Kodak, de papelão com divisórias plásticas, que vinham com a revelação.

Peguei.

Abri.

Não eram fotos boas. Olhos vermelhos, fotos tremidas, umas fora de foco, outras poucas com cores já meio opacas. E tiradas em momentos totalmente inoportunos, algumas chegando a ser incompreensíveis. Muito contemporâneas até – pensei um tempo depois -, levando em conta as últimas tendências de câmeras vintage e fotos com aparência antiga ‘de filme’.

Ali retratadas, estavam pessoas que eu sempre achei que não haviam mudado nada com o passar dos anos, mas agora, naquelas chapas, pareciam completos estranhos.

Aquelas fotos haviam sido tiradas há doze anos. As datas estavam lá, impressas nos cantos inferiores direitos, em números quadrados e laranjas. Será que estavam certas? Pensei que talvez pudessem ser um pouco mais antigas. Geralmente um filme de 36 poses eu não gastava tão rápido. Às vezes durava quase um ano.

Quando me dei conta disso, naquele exato segundo, percebi que aquilo que eu segurava nas mãos valia ouro. Aquele ‘albinho de foto’ (sic) retratava - em 36 fotografias ou menos - talvez um ano inteiro da minha vida.

Parei de virar as páginas.

Imaginei quantos armários ainda teria na vida, e se o eu-futuro iria guardar e ver novamente aquelas fotos algum dia. Pensei ainda se as pessoas sorrindo nas fotos ainda estariam por perto. E se estariam ainda sorrindo.

Decidi que sim, e guardei de volta o álbum.

Na mesma prateleira do armário, num saquinho, estavam os negativos. Um rolinho - agora aberto – que continha os registros químicos dos momentos da minha vida que achei que mereciam ser registrados através do reflexo da luz.

Quanto tempo será que duram?

Voltei à minha busca pela revista.

Pouco tempo depois, já folheando a revista, pensei - o que as centenas de fotos que tenho no meu computador têm de digitais, afinal? - se comparadas às fotos que eu havia acabado de segurar entre os dedos.




Foram dias tão humanos
Sem planos, sem horas
Senhoras nas janelas
Panelas no fogo brando
Jovens em pé conversando
Versando ideias, procurando
Entender um pouco tudo

Dias de cor e céu transparente
Quando nada é nada e só
Alguma coisa é isso mesmo
E fica tudo tão claro, que paro
E sinto coisas mais simples

São nesses dias tão humanos
De noites quentes, pouco sono,
Colchões e roupas no chão,
Janelas abertas, latidos ao longe
Que ficamos tão perto de ser
Sem querer, nós mesmos